Meu novo livro: Novas abordagens

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sábado, 25 de setembro de 2010

''Meu reino não é deste mundo'' - artigo - jornal OPOVO

''Meu reino não é deste mundo''


No charlatanismo, o conhecimento — da persuasão ou do antídoto — é transformado em crença para convencer o desejoso de cura. Desde 27 a.C. até a Revolução Francesa em 1789, a civilização foi governada por reis e monarcas e, para se manter no poder, os soberanos se apropriaram de conhecimentos milenares com o intuito de impressionar os súditos e assim controlá-los permanentemente.
O conhecido método do “toque real”, em que o rei fazia a imposição das mãos na cabeça dos súditos, curando-o de vários sintomas, principalmente de escrófula, nada mais era do que o magnetismo animal teorizado por Franz Mesmer no século XVIII. Os súditos acreditavam que o rei era taumaturgo e tinha poderes sobrenaturais e que eram legitimados no poder pelos deuses, daí a civilização ter passado 17 séculos sobre o domínio imperial, mas é tentador imaginar que os soberanos usavam de malandragem para controlar o povo. Na mitologia grega, Apolo é o deus da poesia e da medicina, pois sugere-se que a palavra tem poder de cura pelo magnetismo e a sugestão — no princípio era o Verbo, cita a Bíblia - assim como a medicina.
Afora usar os unguentos e as pílulas de todas as espécies e locais, que eram comercializadas em praças públicas como panaceias, os charlatões sempre tinham que diversificar seus métodos, afinal, uma hora seriam descobertos. Na Índia, Nepal, Tibete e outros países onde o fanatismo impera, mais perigoso do que as epidemias, são os charlatões, que se multiplicam a cada geração. Os charlatões se passam nessas searas por curandeiros divinos com poderes até de materializar objetos, mas não passam de ilusionistas. A boa-fé das pessoas é utilizada pelos charlatões para enganá-las, mas mesmo assim, muitas vezes, passam por “bonzinhos”, pois dizem que quem não tiver dinheiro não paga, ou, se não curar, não precisa pagar.
A crença na religião e nas suas alegorias é muito forte na civilização e desde a venda de indulgência pela Igreja Católica até a comercialização de lotes no céu – acredite, houve isso mesmo – as pessoas são enganadas pelos charlatões. Há magnetismo na fala e um eloquente charlatão pode encantar os sujeitos desprevenidos e fragilizados; veja na Odisséia de Homeroo canto da sereia que atraía e traía os barqueiros que ficavam hipnotizados. Os charlatões, ou trapaceiros, usam linguagem hiperbólica nas suas abordagens; e chega a sugerir ao desavisado que não há salvação fora de seus produtos.
As adivinhações, as promessas, grandes promessas, são sempre usadas pelos charlatões nas suas propagandas irresistíveis em jornais e/ou praças públicas, mas é sábio desconfiar de esmolas demais. Não há duvidas de que a Natureza possui nas plantas elixir para o tratamento de diversos sintomas, mas o charlatão transforma esse conhecimento em divino para ludibriar o aflito pela cura e adiciona a sugestão pela fala. Muitos médicos emprestaram, em troca de dinheiro, seus famosos nomes para charlatões patentearem e venderem suas pílulas, remédios e unguentos em escala industrial, tornando assim quase que “legalizado” o charlatanismo medicinal, mas com efeito placebo. O leitor que conseguir se libertar da armadilha do charlatanismo universal poderá dizer: “o meu reino não é deste mundo”.

LUÍS OLÍMPIO FERRAZ MELO, psicanalista e autor do livro Pensamento contemporâneo

Um comentário:

Unknown disse...

Excelente artigo. Afinal, é mais fácil deixar que outras pessoas tomem decições por nós. Ser responsável por si dá trabalho.