Meu novo livro: Novas abordagens

Meu novo livro: Novas abordagens

sábado, 13 de março de 2010

As razões de uma cultura - Artigo - Jornal OPOVO

As razões de uma cultura

Domingo, 14 de março de 2010.

Arqueólogos ingleses encontraram no século XIX a Biblioteca de Nínive, até agora a mais antiga. Composta de 25 mil plaquetas de argila, contém textos que falam de diversas temáticas, inclusive espiritualidade. A epopeia de Gilgamesh, encontrada entre as preciosidades, narra-nos a história dele que teria sido rei da cidade-estado de Uruk, por volta de 2.700 a.C. Gilgamesh era a peça do quebra cabeça que faltava para se descobrir o desejo universal do homem por um herói. Numa apertada síntese, é dito que Gilgamesh viajava com um amigo, Enkidu, homem de poucas letras, mas o destino foi cruel com Enkidu que veio a falecer prematuramente. É relatado também que após tal fato Gilgamesh começou a busca pela imortalidade e encontrou-se com o sobrevivente do dilúvio Utnapishtim, que teria sido abençoado pelos deuses com a imortalidade. No entanto, o que Gilgamesh ouviu como resposta o decepciona, pois Utnapishtim afirma-lhe: “a imortalidade não era possível ao homem”.
A cultura do espiritualismo é fruto do hibridismo das tradições que eram embrionariamente orais e com múltiplas versões; e faltou criatividade, pois são textos inconclusos e anacrônicos. É tentador imaginar que o único intuito da cultura religiosa é de “controlar” a civilização, alienando-a e impedindo o seu progresso. Por trás das religiões, com honrosas exceções, há o interesse patrimonial dos clérigos; e os fiéis confundem evolução com devoção; e em algumas culturas homens castram-se por devoção. Não há tradução literal em matéria de religião, pois são incorporados sentimentos e intenções do tradutor, do exegeta e do grupo religioso originário, bem como a necessidade de “adaptação” à cultura para a qual o livro, dito sagrado, será propagado. Os jesuítas quando foram para a China “converter” os chineses ao cristianismo, vestiram roupas de mandarins para facilitar as conversões, mas foram criticados em Roma por terem aderido à cultura chinesa. Os espanhóis invadiram o México e praticamente destruíram os escritos daquele povo e acreditavam tê-los convertidos, mas era fingimento, pois continuavam a professar secretamente a antiga crença.
Não há convertidos, no máximo, desejosos de conversão; e há contradição nos textos ditos sagrados além de apresentar metas impossíveis – apenas desejáveis. Hilariante é a luta do Império Otomano e do Habsburgo, pois de um lado da fronteira dizia-se que o cristianismo era o vencedor contra os muçulmanos; e do outro, eram vencidos. Primo Lévi dizia com fino humor que o vencedor é o dono da verdade, mas neste caso não há como proclamá-lo. A diversidade binária dos ritos e do sincretismo religioso mostra descompasso entre fiéis da mesma fé, pois os católicos apostólicos romanos ficam de joelhos quando rezam; já os católicos ortodoxos russos, em pé.
A estrutura religiosa é fruto de uma só matriz e foi sendo absolvida em cada cultura e adaptando-se assim as crenças milenares; na prática, cada religião presta culto a um deus supremo: Yahweh, no judaísmo; Deus, no cristianismo; Alá, no muçulmanismo, Brahma, no hinduísmo e o Senhor dos céus, no budismo chinês.


Luís Olímpio Ferraz Melo é psicanalista e autor dos livros: No campo das ideias e Inéditos.

Nenhum comentário: